Concertos

Avante2009_1

Trama, 4 de Setembro, 22.30h.
Theatro Bar, 5 de Setembro, 23.30h.
Festa do Avante!, 6 de Setembro, 16h.
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Screaming Jay Hawkins

Screaming Jay Hawkins era um daqueles pugilistas que queria cantar ópera. O mundo do boxe está cheio de casos destes. Não é raro entrar num ginásio (para nos inscrevermos, não para nos entregarmos a exercícios físicos), chamar boxeur a alguém (no bom sentido) e ouvir: Sou um cantor de ópera, isto é provisório. Quantas vezes se ouve, nos ringues, entre dois assaltos, desabafos sentidos: "eu devia era ser cantor lírico". E que prazer dá vê-los retomar o combate com mais falsete no uppercut e um pequeno Puccini no jogo de pernas.
Voltemos a Screaming Jay Hawkins. Com o insucesso desta incursão pelo mundo da ópera, virou-se para o vudu e para os lamentos em pentâmetros jâmbicos e os doze (ou oito, sejamos complacentes com os números) compassos, ou seja, os blues. Fez muito bem. Isso e filhos. Fez cerca de setenta e cinco filhos a várias mulheres. Há rumores que afirmam ser um número menor, que Screaming Jay Hawkins não teve mais de cinquenta e poucos rebentos. São pessoas que querem descredibilizar os blues. É por isso que ninguém vai aos estádios.
Voltemos a Screaming Jay Hawkins. Era um homem que gostava de se apresentar vestido de leopardo, com ossos a atravessarem-lhe o nariz. Ficou muito conhecido com “I Put a Spell on You” e com aquela música cujo tema é a prisão de ventre e o trânsito intestinal, chamada Constipation Blues (actuava com uma retrete no palco. Não estou a brincar). E também tinha esta particularidade a ter em conta: fazia, com as suas imensas cordas vocais, um ruído bizarro – perdoe-me o estrangeirismo, mas não encontro o portuguesismo necessário –, que era como um porco na matança, mas na nota certa.
Como não existem lendas vivas dos blues que não tenham morrido já, Screaming Jay Hawkins deu-se por falecido no ano 2000. Cerca de setenta anos depois de ter nascido.

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Howlin' Wolf

Howlin' Wolf, cujo verdadeiro nome era Chester Burnett, tinha quase dois metros, pesava perto de dezasseis toneladas – para ser preciso, cerca de 140 quilos em jejum – e, disse alguém, tinha voz de maquinaria pesada. Com aquela voz era perfeitamente possível lavrar os inúmeros hectares do meu terreno (três, para ser exacto) em menos de uma manhã. Já pensei em virar para lá a aparelhagem, para ver o que acontece, mas tenho medo de derrubar as oliveiras.
Howlin' Wolf nasceu em White Station, Mississippi, e aprendeu a tocar harmónica com Sonny Boy Williamson II (não vou falar deste bluesman para não me emocionar demais). A mãe deserdou-o por um motivo tão banal no mundo dos blues que me custa escrevê-lo: por tocar a música do Diabo. E assim, aos treze anos, Chester Burnett viu-se obrigado a fugir de casa. Esta história poderia ter resultado na criação de um país na cauda da Europa mas, felizmente, acabou bem, com discos gravados e tudo.
Howlin' Wolf tinha preferência por fatos pretos que ficavam lindamente com a gravidade da voz. Este pequeno maneirismo do seu carácter devia-se a, um dia, ter visto uma imagem de Blind Lemon Jefferson assim vestido. O fato era preto porque, nessa altura, as fotografias reproduziam fielmente o mundo a preto e branco daquelas pessoas.
Dizem que Howlin' Wolf morreu – como se eu não o tivesse visto o mês passado na paragem do 28 para Moscavide – em 1976. Foi Howlin' Wolf que, juntamente com Blind Willie Johnson, inventou a voz do Tom Waits. Nunca vi ninguém dar-lhe o crédito por isso.



No video acima, o leitor atento terá reparado que o contrabaixista se semelha, com exactidão metafísica, a Willie Dixon. O motivo de tal prodígio é que é mesmo Willie Dixon (haveremos, num futuro próximo, de falar deste boxeur). Por agora, ouça Blind Willie Johnson:

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